domingo, 16 de agosto de 2015

It, A Coisa -- Stephen King

Por falar em livros...

Semana passada terminei a leitura de It - A Coisa, de Stephen King. É um livro de 1.102 páginas (a edição anterior, da editora Objetiva era desmembrada em dois volumes mais finos, nesta edição mais atualizada, a Suma juntou os dois livros em um volume só e a tradução foi revista). Particularmente, gostei bastante da tradução da Regiane Winarski, a leitura flui super bem (tem erros, teeeem, mas poucos que eu tenha visto) e terem mantido o nome do palhaço Pennywise, no original, ao invés do intragável Parcimonioso da edição anterior, é uma grande vitória. (Ok ok, eu sei que não é errado, que era correto - Penny = centavos ; Wise = sábio ; Pennywise = o que é sábio com centavinhos, ou seja, quem é Parcimonioso com seus gastos, mas whatever! soava mal para caramba!)
Quando do relançamento, eu havia comprado minha edição em uma promoção daquelas imperdíveis, e desde então ele estava aqui, lacrado e aguardando ânimo para início da leitura. 


Como sabem, mudei de emprego há uns três meses e agora já não faço mais aquele trajeto a pé de 7 km por dia (ida e volta), agora dependo de trólebus + ônibus, o que, no final da tarde, me proporciona pelo menos quarenta minutos em pé, no ponto de ônibus esperando o velho 006 chegar ao T. Piraporinha para poder me levar para casa. Ao invés de ficar praguejando contra minha sorte de não ter um carro, e contra a demora e atraso diárias do busão, ando sempre com um livro na mochila, para poder aproveitar ao máximo esses inevitáveis minutos de espera. Decidi fazer isto com com It, apesar do peso e funcionou bem, porque consegui ler em cerca de vinte dias.

"Durante as férias escolares de 1958, em Derry, pacata cidadezinha do Maine, Bill, Richie, Stan, Mike, Eddie, Ben e Beverly aprenderam o real sentido da amizade, do amor, da confiança e... do medo. O mais profundo e tenebroso medo. Naquele verão, eles enfrentaram pela primeira vez a Coisa, um ser sobrenatural e maligno que deixou terríveis marcas de sangue em Derry. Quase trinta anos depois, os amigos voltam a se encontrar. Uma nova onda de terror tomou a pequena cidade. Mike Hanlon, o único que permanece em Derry, dá o sinal. Precisam unir forças novamente. A Coisa volta a atacar e eles devem cumprir a promessa selada com sangue que fizeram quando crianças. Só eles têm a chave do enigma. Só eles sabem o que se esconde nas entranhas de Derry. O tempo é curto, mas somente eles podem vencer a Coisa. Em 'It - A Coisa', clássico de Stephen King em nova edição, os amigos irão até o fim, mesmo que isso signifique ultrapassar os próprios limites".


Aviso aos navegantes: a resenha abaixo pode conter spoilers. Estou tão envolvida com a história e tão apaixonada por ela que não consigo analisar se estou revelando mais do que deveria para o conforto de alguém que não conheça a história. Continue a ler por sua conta e risco...

Bom, sobre o livro em si: É incrível. Vejo muita gente reclamando que é prolixo, que é enrolado, que demora demais para chegar ao ponto, que o final é tosco e deixa a desejar (vide o filme), mas confesso que amei cada página. Não consigo imaginar nenhum capítulo ou passagem que pudesse ser suprimido para facilitar a leitura. Capítulos se alternam entre passado e presente e são usados diversos pontos de vista da narrativa (já sabem que adoro!). Alguns mistérios insinuados no decorrer das páginas, só são revelados nas últimas páginas, talvez isto reforce a impressão de "enrolação", principalmente para quem demora meses para terminar a leitura, mas quanto a mim, não pensei isto em nenhum momento.

O livro conta a história de um grupo de amigos pré-adolescentes, que em 1958 não são nada populares, e sofrem nas mãos dos valentões da escola, em Derry, Maine. Temos o Gago, o Gordo, o Asmático, o Judeu, o Negro, o Bocudo e a Garota. Ao longo das páginas, vemos que até a própria Derry, com suas incongruências e seus picos de violência desenfreada é um importante personagem da história. Neste ano de 1958, há um surto de assassinatos de crianças - uma delas, o irmão de Bill Gago, o George (o garotinho de cinco anos, de capa de chuva amarela, que em um dia de chuva, sai para soltar seu barquinho de papel - construído para ele pelo irmão mais velho - nas enchentes da cidade e o vemos ser atacado por algo que sai de um bueiro já nas primeiras páginas). A cidade mergulha então em um clima de medo e insegurança para as crianças que nela moram. Ao mesmo tempo, uma figura sinistra é vista em diferentes locais e por diferentes crianças: uma figura fugidia de um palhaço, que se diz Pennywise, o palhaço dançarino, cuja figura atraente ao universo infantil (oferecendo balões e malabares digno de circo), instantaneamente se metamorfoseia em características ameaçadoras, que revelam sua verdadeira intenção. Nosso grupinho de amigos, O Clube dos Otários (ou Perdedores, como na tradução anterior) se junta inicialmente para formar uma frente unida contra o valentão Henry Bowers, o bullier da escola, e de forma meio canhestra acabam conseguindo em situações diversas, botar o valentão e seus amigos para correr. 
A amizade entre eles, cresce, se fortalece e desempenha papel decisivo naquele longínquo ano de 1958, na derrota da Coisa que aterroriza Derry e que se esconde nos subterrâneos da cidade, faminta de crianças, medos e gritos. No final daquele ano, eles se separam, cada um vai para um canto diferente do país com a família, mas antes de partir, eles de forma ritualística, firmam uma promessa com sangue: se um dia A Coisa voltasse, eles voltariam para combatê-la novamente.

Passam-se os anos, lembranças são esquecidas. Em uma certa noite de 1985, seis telefones tocam. Uma única frase é dita a seis pessoas que - de início - não fazem ideia de seu significado: "A Coisa voltou. Você vem?"
Uma simples frase com tanto poder de trazer à tona tantas lembranças (embora algumas só voltem completamente beeeem no finalzinho do livro), sentimentos e que causam tantas mudanças nas vidas - aparentemente bem estabilizadas - de seis adultos sem nenhum contato entre si.

É isso, em 1985, A Coisa volta. Mike Hanlon (o garoto negro do Clube dos Otários) foi o único que continuou morando em Derry, como um farol, um sentinela do destino pelo que poderia estar por vir. Quando, em 85 uma nova onda de assassinatos volta a ocorrer em Derry, ele sabe que tem de convocar os antigos amigos, para cobrar aquela promessa solene feita com todo o fervor infantil de que eram capazes.
Acompanhamos o reencontro destes amigos, sua reconexão, as lembranças voltando pouco a pouco para revelar os pontos cegos daquele primeiro confronto contra a coisa, 27 anos antes. Sim, um dos pontos (altos, em minha opinião) da narrativa é esse: sabemos desde o início que eles lutaram contra A Coisa e a derrotaram, porém os detalhes dos "como", "quando" e "com o que", só são revelados nas últimas páginas do livro, lado a lado com o embate atual, em capítulos que se alternam na linha do tempo, criando um suspense dinâmico e muito bem amarrado.

Ao longo da reunião e reconexão dos amigos e com suas promessas, Mike Hanlon, bibliotecário de Derry, revela algumas descobertas interessantes sobre Derry - nossa personagem central, cidade que vive, respira e odeia, com suas redes subterrâneas tão viva quanto artérias principais de um corpo humano. Que em ciclos de aproximadamente 30 anos, voltando no tempo e na História, a cidade é acometida por ciclos de violência exacerbada, e clima natural hostil, como se algo nela - algum deus antigo, talvez? - exigisse sacrifícios cada vez mais bárbaros para ser apaziguado e voltar a hibernar. Esta é a grande sacada do livro. Particularmente, eu como uma boa garota dos anos 80, nunca gostei de palhaços. Não diria que é medo (coff coff é medo sim coff coff), mas nunca gostei de palhaços e me sinto extremamente desconfortável diante deles. Quando se pensa em It, no filme, pensa-se no palhaço assassino. Bom, no livro, vemos que não é só isso. O Mal que reside em Derry e muito maior do que Pennywise, o palhaço é somente uma de suas faces - talvez a face mais atraente às crianças, das quais se alimenta, mas é um Mal maior, mais irrestrito, mil vezes pior do que só um palhaço, é um mal que cria raízes fortes no coração humano, e isso é o mais assustador de tudo! E foi assim que me curei de meu medo de palhaços, jovens senhoras e jovens senhores! Ok, leitores antigos, certamente a esta altura estarão revirando os olhos e dizendo "ora essa, essa daí parece que descobriu a pólvora!" mas para mim, esta revelação foi crucial para o envolvimento com o livro. Se fosse um livro só sobre um palhaço assassino... certamente não teria me impactado tanto.

Eu sou uma leitora adulta muito chata. Não tenho muita paciência com livros infanto-juvenis, com aquelas questõezinhas ginasiais, duvidazinhas de "beija ou não beija", ter de voltar para casa antes das dez, de ser popular ou não, bem me queres e mal me queres. Não gosto, não tenho paciência. Falha minha, talvez, fazer o que?... Gosto de livros consistentes, com dramas reais, medos reais, medos universais, assuntos adultos. Apesar das personagens de It serem crianças (em boa parte do livro) não são criaaaaanças... são tão maduras, com suas vivências e experiências e profundidade, que me fez amá-las e sentir muita falta delas ao final do livro.

Apesar de vencidas as 1.102 páginas, assim que terminei. Tive de combater o desejo insano de reiniciar a leitura imediatamente e até agora estou meio que sem saber o que ler em seguida. Sensação de que tudo o que vier daqui por diante, possa ser um anticlímax.

Ah propósito, sei das conexões de It com o universo da TN, mas como não li a saga, tudo me passou despercebido sem dó, nem piedade, mas foi uma delícia ver um jovem Dick Hallorann (o cozinheiro do Hotel Overlook em O Iluminado) ser mencionado pelo pai de Mike Hanlon em certa altura. E gostei do final, levemente lovecraftiano, com o que pode haver além da escuridão.

Recomendadíssimo. 
Amei.
5 estrelas. 
Bip bip Richie... O livro é tudo o que dizem, e mais um pouco...  <3

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