Por falar em livros, esta semana, devido a um defeito na linha telefônica, que detectei na noite de terça e que me deixou sem telefone e sem conexão até a manhã de sábado (thank you Vivo!), consegui ler dois livros, o primeiro foi Terra em Chamas, o quinto das Crônicas Saxônicas do Bernard Cornwell que estava na fila desde que ganhei de amigo secreto em 2011... e o segundo, sobre o qual gostaria de falar um pouco é a biografia do Ian Curtis e Joy Division escrito pela esposa do Ian, Deborah Curtis.
Ganhei este livro em um sorteio da KissFM no final do ano passado, e assim que o trouxe para casa, meu marido (grande fã do Joy) pegou para ler e sumiu com ele. Como precisava de um livro impresso para carregar na mochila e ler enquanto espero o ônibus (emprego novo, busão novo, e não tenho coragem de sacar meu tablet assim, na rua) revirei a estante e consegui encontrá-lo. Li rapidinho.
Tocando A Distância - A curta, genial e trágica trajetória de Ian Curtis, vocalista do Joy Division, faz parte daquelas grandes histórias do rock’n’roll. Viveu rápido, morreu jovem e virou mito. Tocando a distância é o relato íntimo, aprofundado e fiel das duas personas do cantor, o mito e o homem, escrito pela única pessoa qualificada para essa missão: a sua viúva Deborah Curtis. Reverenciado por seus colegas (“a voz sagrada de Ian Curtis”, disse certa vez Bono Vox, do U2) e idolatrado por seus fãs, Ian Curtis deixou um legado artístico formidável. Hipnotizante em cima do palco, mas introvertido e propenso a variações de humor na vida particular, Ian cometeu suicídio em 18 de maio de 1980. Essa biografia mostra como Ian Curtis foi seduzido pela glória de uma morte prematura, mesmo com esposa, filha e o iminente sucesso internacional. Considerado o livro essencial sobre esse ícone da era pós-punk, o volume traz prefácios escritos por grandes nomes do jornalismo musical: o inglês Jon Savage e o brasileiro Kid Vinil. O premiado filme Control, de Anton Corbijn, foi baseado nesse livro. A obra ainda inclui todas as letras (algumas inéditas), escritos inacabados, fotos do arquivo pessoal de Deborah Curtis, discografia e a lista de shows do Joy Division.
Se é verdade que toda a história tem três lados: o dela, o dele e a verdade; temos em "Tocando a Distância", somente o lado dela na história. Ela, sendo a esposa de Ian Curtis, Deborah Curtis, namorada de adolescência, que virou esposa e conviveu com ele dos dezesseis anos até sua morte, aos vinte e quatro.
Eu achei o livro pungente, cheio de sentimentos, e compreendi muito do posicionamento dela em relação a tudo o que aconteceu, porém, nem de longe soa como a verdade nua e crua - ou melhor, soa tanto como a verdade nua e crua - que nos faz ter a impressão de que não é a verdade natural, e sim uma racionalização em cima de uma verdade muito mastigada, há muito digerida e reformatada para se encaixar em uma suposta paz de espírito.
Talvez seja inevitável consequência do que causa o suicídio de alguém próximo, talvez seja resquício da raiva por ter sido traída, não dá para saber ao certo.
Deborah fala da vida de Ian desde a infância, passando pela adolescência e sua obsessão por fazer parte da cena musical pós-punk que tanto gostava. Suas tentativas de formar uma banda, o relacionamento com amigos, as experimentações com drogas, os ataques de frustração, revolta e ciúmes, a tentativa de suicídio na adolescência... Fala de um jovem desajeitado, solitário, inteligente, mas de certa forma, manipulador e um pouco alheio às pessoas ao seu redor, com profundo poder de empatia por desconhecidos, mas frio e distante de quem lhe era mais próximo. Teimoso e focado, cheio de planos para o futuro da música, mas muito pouco focado no lado prático da vida, como foi até o fim.
Nos debatemos pelas páginas entre a compreensão e respeito por um exacerbado instinto artístico (ah, eles são tão extravagantes, e podem tudo!) e o forte sentimento de que aquele homem era, antes de tudo, um egoísta! Pobre esposa.... Mas aí entra aquela coisa: falta o lado dele na questão (e claro, faltaria também, sempre, a verdade).
Foi interessante acompanhar o surgimento do Joy Division (anterior Warsaw), desde o embriãozinho na mente do Curtis, compreender a inspiração para algumas letras (insisto que não sou profunda conhecedora da cena musical dos anos 80, mas sou uma curiosa entusiasta) e apesar do azedume de algumas passagens devido à condescendência da esposa, foi possível reviver alguns dos shows e cenas com base na narrativa da Deborah.
Ian Curtis, fosse pela sua doença (ele foi diagnosticado com epilepsia e depois de casado tinha ataques epilépticos constantes - inclusive no palco) ou pela depressão (e atração pela morbidez) que aparentemente o acompanhou vida afora, foi uma pessoa atormentada (góteco!) e nada fácil de se conviver. Ambos eram muito jovens, e depois do nascimento da filhinha, Natalie, as coisas podiam - deviam, talvez - ter mudado, com o tempo (quando ele se suicidou, ela tinha pouco mais de um ano). Talvez se ele não tivesse se suicidado em 18/05/1980, enforcando-se no chão da cozinha para a esposa encontrá-lo, talvez tivesse chegado a uma maturidade, uma vida minimamente suportável, confortável... mas desistiu antes, e todos ao seu redor se surpreenderam. O livro é recheado de "ninguém diria!" "se ao menos tivéssemos visto os sinais". Cheio de culpa. E de resignação.
Tenho nojo de homem que trai. Aliás, tenho nojo de gente que trai. Já fui mais cabeça aberta em relação a isso, já compreendi, já filosofei, mas acho que quando a gente assume um compromisso para a vida toda (mais do que para com a outra pessoa, mas para conosco mesmos), a gente tende a se recobrir com uma carapaça que é até uma forma de auto-proteção. Sei que estou errada, que trair é normal, que não é um fim de mundo. Mas lá dentro, o meu astronauta interior (lá no fundinho de minha mente) grita: Mas caramba! O cara todo estropiado, ainda fica dando brecha pra groupie. Filho da puta, francamente, viu!!!"
Mas ei, essa sou eu.
Se sua genialidade musical se devia a este seu tormento interno, ou este tormento interno se agravou devido à sua genialidade musical, acho que ninguém jamais saberá.
Boa leitura. Triste. Cheia de fotos e letras de músicas, com tradução, escritos inacabados e letras inéditas. Acho que para Deborah Curtis, contar sua história foi uma espécie de ponto final em um assunto doloroso. Que bom que ela compartilhou-o conosco.